Legislação aplicável e direito à moradia
A residência médica é uma etapa de especialização médica que ocorre após a graduação em medicina, regulamentada pela Lei nº 6.932/81. A legislação determina que as instituições de saúde, universitárias ou não, que abrigam programas de residência médica, têm a obrigação de fornecer moradia aos residentes, entre outras responsabilidades prescritas pela lei (art. 4º, §5º, III):
Art. 4º. Ao médico-residente é assegurado bolsa no valor de R$ 2.384,82 (dois mil, trezentos e oitenta e quatro reais e oitenta e dois centavos), em regime especial de treinamento em serviço de 60 (sessenta) horas semanais.
(…)
§ 5º A instituição de saúde responsável por programas de residência médica oferecerá ao médico-residente, durante todo o período de residência:
I – condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os plantões;
II – alimentação; e
III – moradia, conforme estabelecido em regulamento.
Indenização Substitutiva
Em regra, o benefício da moradia deve ser oferecido in natura, ou seja, a instituição responsável pelo programa de residência médica deve disponibilizar um local de moradia aos médicos residentes. No entanto, caso a instituição não forneça este alojamento, deve prestar o benefício em dinheiro, aplicando um percentual de 30% sobre o valor bruto da bolsa mensal, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (AgRg nos EREsp 1339798/RS).
Apesar de ser um direito garantido por lei, muitas instituições médicas não cumprem essa determinação, frequentemente alegando falta de regulamentação ou citando regulamentos internos que excluem o fornecimento de moradia no programa de residência. Contudo, os tribunais entendem que a falta de regulamentação não é suficiente para impedir o fornecimento do auxílio-moradia, e nenhum ato interno pode se sobrepor ao que prevê a lei.
Portanto, o médico residente que não tem o benefício da moradia à disposição pode solicitar administrativamente a concessão do auxílio-moradia, que deve corresponder a 30% do valor da bolsa mensal. Caso haja recusa administrativa por parte da instituição, o médico pode recorrer ao Poder Judiciário.
Para o médico que já concluiu a residência médica, é possível ingressar com uma ação judicial para exigir o pagamento retroativo de tudo o que deixou de receber durante a residência, aplicando-se o mesmo percentual de 30% sobre a bolsa recebida. O prazo para requerer o auxílio-moradia judicialmente é de cinco anos contados a partir do término da residência, sendo possível exigir as parcelas não pagas dentro deste período.
É importante destacar que este benefício deve ser concedido independentemente da comprovação de renda e necessidade do residente.
Se você é médico residente ou já concluiu sua residência médica e não recebeu o auxílio-moradia a que tem direito, não hesite em buscar o seu direito.
Decisões de Tribunais Estaduais
Apesar do entendimento detalhado acima ser aplicado em todo território nacional, a seguir separamos alguns julgados dos Tribunais Estaduais do País, para verificação.
Tribunal de Justiça do Paraná:
RECURSO INOMINADO. MATÉRIA RESIDUAL. AÇÃO COMPENSATÓRIA. PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA. DIREITO AO AUXÍLIO-MORADIA ASSEGURADO PELA LEI Nº 6.932/1981 (ALTERADO PELA LEI Nº 12.514/2011). CONVERSÃO DA OBRIGAÇÃO EM PECÚNIA. 30% INCIDENTE SOBRE A BOLSA-AUXÍLIO PAGA AOS MÉDICOS RESIDENTES DURANTE O CURSO. PRECEDENTES DO STJ. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJ-PR 0019187-09.2023.8.16.0182 Curitiba, Relator: Irineu Stein Junior, Data de Julgamento: 12/04/2024, 2ª Turma Recursal, Data de Publicação: 12/04/2024)
Tribunal de Justiça de São Paulo:
RECURSO INOMINADO. Residência médica. Auxílio-moradia. Pedido de recebimento de auxílio-moradia. Admissibilidade. Divergências na jurisprudência deste Colégio Recursal que restaram dirimidas pela Turma de Uniformização. PUIL nº 0000429-64.2022.8.26.9000. Firmou-se a tese de admissibilidade da conversão em pecúnia do direito à moradia não assegurado aos médicos residentes, arbitrado em 30% do valor da bolsa de estudos. Assim, impõe-se a necessária revisão do posicionamento anteriormente adotado, em prol da uniformização da jurisprudência e da segurança jurídica. Sentença de improcedência reformada. Recurso provido.
(TJ-SP – RI: 10150889620238260053 São Paulo, Relator: Renata Pinto Lima Zanetta, Data de Julgamento: 04/09/2023, 7ª Turma – Fazenda Pública, Data de Publicação: 04/09/2023)
Tribunal de Justiça do Ceará:
RECURSO INOMINADO. JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA. LEI 6.932/1981. AUXÍLIO MORADIA. PARA MÉDICO RESIDENTE. LEIS 6.932/81 E 12.514/11. CONVERSÃO EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE DE ARBITRAMENTO DE VALOR MENSAL. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA.
(TJ-CE – RI: 02185850820228060001 Fortaleza, Relator: ANA PAULA FEITOSA OLIVEIRA, Data de Julgamento: 25/08/2023, 3ª TURMA RECURSAL DO ESTADO DO CEARÁ, Data de Publicação: 25/08/2023)
Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
AÇÃO DE COBRANÇA – RESIDÊNCIA MÉDICA – AUXÍLIO MORADIA – MÉDICO RESIDENTE – PEDIDO JULGADO PROCEDENTE – LEI Nº 6.932/81 – DEVER DE CONCESSÃO – CONVERSÃO EM PECÚNIA – JURISPRUDÊNCIA DO STJ – POSIBILIDADE – SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS – RECURSO NÃO PROVIDO.
(TJ-MG 5048090-39.2023.8.13.0024, Relator: ADRIANA DE VASCONCELOS PEREIRA, Data de Publicação: 21/11/2023)
Tribunal de Justiça de Goiás:
RECURSO INOMINADO. DIREITO ADMINISTRATIVO. RESIDÊNCIA MÉDICA. LEI Nº 6.932/81 ALTERADA PELA LEI Nº 12.514/2011. AUXÍLIO-MORADIA IN NATURA. MANDADO DE INJUNÇÃO NÃO NECESSÁRIO. CONVERSÃO EM PECÚNIA. 30% DO VALOR DA BOLSA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJ-GO – RI: 54422135120218090051 GOIÂNIA, Relator: Fernando Moreira Gonçalves, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, Data de Publicação: 22/11/2022)
Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
RECURSO INOMINADO. RESIDÊNCIA MÉDICA. LEI N. 6.932/81 QUE GARANTE AUXÍLIO-MORADIA. PRETENSÃO DE CONVERSÃO EM PECÚNIA DIANTE DO NÃO OFERECIMENTO DURANTE O INTERREGNO DO PROGRAMA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO HOSPITAL MUNICIPAL SÃO JOSÉ. NÃO ACOLHIMENTO. POSSIBILIDADE FIRMADA NO ÂMBITO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DA TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO ( PEDILEF 201071500274342). JURISPRUDÊNCIA DO STJ: “EXISTINDO DISPOSITIVO LEGAL PEREMPTÓRIO ACERCA DA OBRIGATORIEDADE NO FORNECIMENTO DE ALOJAMENTO E ALIMENTAÇÃO, NÃO PODE TAL VANTAGEM SUBMETER-SE EXCLUSIVAMENTE À DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA, PERMITINDO A INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO A PARTIR DO MOMENTO EM QUE A ADMINISTRAÇÃO OPTA PELA INÉRCIA NÃO AUTORIZADA LEGALMENTE” (AGRG NOS ERESP N. 1.339.798/RS).
DESNECESSIDADE DE PROVA (I) DA FORMULAÇÃO DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO, OU (II) DA NECESSIDADE/GASTO COM MORADIA PELO/A RESIDENTE NO PERÍODO. RAZOABILIDADE DA INDENIZAÇÃO MENSAL NO EQUIVALENTE A 30% SOBRE O VALOR DA BOLSA RECEBIDA. ENTENDIMENTO QUE VEM SENDO APLICADO PELAS TURMAS RECURSAIS EM CASOS SEMELHANTES. PRECEDENTES DE TRIBUNAIS PÁTRIOS. SENTENÇA SER MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, CONFORME AUTORIZA O ARTIGO 46, DA LEI N. 9.099/95. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
(TJ-SC – RECURSO CÍVEL: 50552711420218240038, Relator: Margani de Mello, Data de Julgamento: 08/11/2022, Segunda Turma Recursal)